
Quem nasceu ou cresceu frequentando a Baixada Santista, como eu, sabe que existe uma “liturgia” específica para os dias de descanso no litoral. Não se trata apenas de acordar e correr para a areia. Existe todo um processo de preparação que envolve os sentidos, a cultura local e, infelizmente, um erro comum que muitos cometem em relação à saúde.
A manhã na Praia Grande possui uma atmosfera única. A cidade, que nas últimas décadas deixou de ser apenas um destino de veraneio rápido para se tornar um polo estruturado de moradia e lazer, oferece uma experiência que começa muito antes de molhar os pés no mar. O nosso roteiro ideal começa pelo estômago, passa pela contemplação da orla revitalizada e termina com um alerta vital sobre a proteção contra o sol enganoso dos dias nublados.
Neste artigo, vamos destrinchar esse ritual, dando o contexto histórico de por que as padarias aqui são quase “templos” e, crucialmente, explicar com base na ciência por que você nunca, em hipótese alguma, deve subestimar o mormaço.
Se você disser a um morador local que vai “tomar um café na padaria” antes da praia, ele entenderá que isso não é uma refeição rápida de cinco minutos. Em Praia Grande, assim como em outras cidades vizinhas como Santos, a padaria é uma instituição cultural.
Historicamente, o litoral paulista recebeu uma forte imigração portuguesa, e com ela veio a tradição da panificação de excelência. Ao longo dos anos, especialmente a partir do boom imobiliário dos anos 90 e 2000 em Praia Grande, esses estabelecimentos evoluíram. Deixaram de ser apenas locais de compra de pão francês para se tornarem verdadeiros centros gastronômicos.
Entrar em uma grande padaria na Avenida Presidente Kennedy ou perto da orla pela manhã é uma experiência sensorial. O cheiro do café recém-passado mistura-se com o aroma adocicado dos bolos e o cheiro inconfundível do “pão na chapa” com manteiga Aviação, chiando na chapa quente.
O ritual do café da manhã na padaria aqui envolve fartura. Não é incomum ver famílias inteiras reunidas em mesas grandes, desfrutando de bufês que rivalizam com hotéis de luxo, ou pedindo a clássica “média” (café com leite) acompanhada de um pão com requeijão na entrada, antes de enfrentar o dia de sol. É o combustível necessário para as horas de lazer que virão. É um momento de conexão social, de ler o jornal local, de planejar o dia. Ignorar essa etapa é perder uma parte essencial da “vibe” da cidade.
Após o café reforçado, o destino natural é a praia. Praia Grande orgulha-se de ter uma das orlas mais extensas e bem estruturadas do Brasil. São cerca de 22,5 quilômetros de praias contínuas, desde o Canto do Forte (mais tradicional e próximo à área militar) até Solemar, na divisa com Mongaguá.
Crescendo aqui, vi a transformação dessa orla. O calçadão, hoje repleto de coqueiros e com uma ciclovia movimentada, convida a uma caminhada digestiva antes de se estabelecer na areia. É o cenário perfeito para o turismo na Baixada Santista: famílias com cadeiras e guarda-sóis, esportistas correndo, e o som constante do Atlântico.
No entanto, é exatamente nesse momento de transição, entre a saída da padaria e a chegada à areia, que ocorre o grande erro de julgamento da maioria dos banhistas, especialmente em dias típicos do nosso clima tropical úmido.
Você olha para o céu. Está cinza, encoberto por uma camada espessa de nuvens. O sol, aquela bola amarela brilhante, não está visível. A conclusão lógica (e errada) para muitos é: “Não tem sol, não preciso de protetor solar agora. Vou passar só quando abrir”.
Esse é o cenário clássico do “mormaço”. O mormaço é caracterizado por um tempo abafado, úmido e quente, mesmo sem a incidência direta da luz solar visível. E é aqui que mora o perigo para a saúde da pele.
Para entender por que o mormaço queima, precisamos recorrer à dermatologia. A luz solar que atinge a Terra é composta por diferentes tipos de radiação. As mais importantes para nossa pele são os raios Ultravioleta A (UVA) e Ultravioleta B (UVB).
Raios UVB: São os principais responsáveis pela vermelhidão e pela queimadura solar (aquela pele ardida no fim do dia). A intensidade dos raios UVB varia ao longo do dia (são mais fortes entre 10h e 16h) e também dependem da estação do ano e da presença de nuvens. Nuvens densas podem bloquear uma parte significativa dos raios UVB.
Raios UVA: Aqui está o segredo do mormaço. Os raios UVA são menos energéticos que os UVB, mas penetram mais profundamente na pele (atingindo a derme). Eles são os principais responsáveis pelo envelhecimento precoce (rugas, manchas), pela perda de elasticidade e, crucialmente, contribuem para o desenvolvimento do câncer de pele a longo prazo.
O dado alarmante que muitos ignoram é: os raios UVA atravessam as nuvens. De acordo com a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), as nuvens podem filtrar a luz visível e o calor (raios infravermelhos), dando a falsa sensação de segurança, mas deixam passar até 80% da radiação UV [1].
Portanto, no mormaço, você não sente o calor intenso na pele que te avisa para sair do sol (porque o infravermelho foi bloqueado), e você pode não ficar “vermelho pimentão” imediatamente (porque parte do UVB foi bloqueado), mas sua pele está sendo bombardeada por raios UVA, sofrendo danos silenciosos e cumulativos.
Essa é uma pergunta que todo mundo deveria fazer. O impacto de ignorar o protetor solar em dias nublados não se resume a um desconforto passageiro.
Como afeta sua saúde: A exposição contínua e desprotegida à radiação UV (especialmente UVA em dias nublados) tem efeito cumulativo. A pele tem “memória”. Os danos causados hoje se somam aos de ontem. Isso leva a:
Envelhecimento precoce: Surgimento de rugas finas, flacidez e manchas senis muito antes do tempo.
Câncer de pele: O Brasil tem índices altíssimos de câncer de pele. A exposição sem proteção é o principal fator de risco tanto para o melanoma (mais agressivo) quanto para os carcinomas (mais comuns).
Como afeta seu bolso: Prevenir é exponencialmente mais barato do que remediar. O custo de um bom frasco de protetor solar é irrisório se comparado aos custos de tratamentos dermatológicos futuros. Pense em:
Consultas dermatológicas frequentes para monitorar manchas suspeitas.
Procedimentos estéticos caros para tentar reverter danos solares (lasers, peelings, preenchimentos).
Custos médicos e cirúrgicos no caso de um diagnóstico de câncer de pele.
Investir em proteção solar diária é, sem dúvida, a medida de economia de saúde mais inteligente que você pode tomar.
Agora que já tomamos o café da manhã reforçado em Praia Grande e entendemos o perigo do mormaço, como devemos agir? A regra é simples: se é dia, há radiação.
Aqui está um checklist prático para garantir que sua manhã na praia seja segura:
Fator de Proteção (FPS): A SBD recomenda o uso de filtro solar com FPS mínimo de 30. Se sua pele for muito clara, opte por fatores mais altos, como 50 ou 60.
Aplicação Correta: Aplique o protetor generosamente ainda em casa ou no hotel, cerca de 15 a 30 minutos antes da exposição. Não espere chegar na areia. Isso permite que o produto seja absorvido e forme a barreira protetora.
Quantidade Importa: A maioria das pessoas aplica menos da metade da quantidade necessária. A regra prática é “uma colher de chá” para o rosto e pescoço, e o equivalente a um copinho de café para o resto do corpo. Se aplicar menos, o FPS real na sua pele cai drasticamente (um FPS 30 pode virar um FPS 10).
Reaplicação é Chave: Este é o erro número um. O protetor solar não dura o dia todo. Você deve reaplicar a cada duas horas, ou imediatamente após nadar no mar ou suar excessivamente. Mesmo os produtos “resistentes à água” perdem eficácia.
Não Esqueça as Áreas Esquecidas: Orelhas, nuca, peito do pé e a careca (para os calvos) são áreas frequentemente queimadas, inclusive no mormaço. Utilize também protetor labial com FPS.
Proteção Física: Chapéus de aba larga, óculos de sol com proteção UV e roupas com tecido de proteção solar são aliados indispensáveis, especialmente para crianças e pessoas de pele muito sensível.
Concluindo, a manhã na Praia Grande é uma experiência maravilhosa que mistura a cultura gastronômica local com a beleza natural do nosso litoral. Aproveitar o café da manhã na padaria é essencial, mas sair de lá protegido é vital. Não se deixe enganar pelas nuvens; o protetor solar é seu melhor amigo, faça chuva, faça sol, ou faça o nosso tradicional mormaço.
1. Se o dia está completamente nublado e chovendo, ainda preciso de protetor solar na praia? Sim. Embora a chuva e nuvens muito densas reduzam significativamente a radiação UVB, os raios UVA ainda conseguem penetrar em grande quantidade. Se há claridade do dia, há radiação UV atingindo sua pele. A proteção é necessária.
2. Qual a diferença entre FPS 30 e FPS 60? O FPS 60 protege o dobro? Não. O FPS 30 bloqueia cerca de 97% dos raios UVB, enquanto o FPS 60 bloqueia cerca de 98-99%. A diferença na proteção UVB é pequena, mas fatores mais altos geralmente oferecem maior proteção UVA (que é crucial no mormaço) e compensam melhor se você aplicar uma quantidade menor do que a ideal.
3. Por que as padarias de Praia Grande são tão famosas? A fama vem da tradição de panificação trazida por imigrantes portugueses, combinada com o desenvolvimento da cidade que transformou esses locais em grandes centros de conveniência e gastronomia, oferecendo desde o pão fresco até refeições completas em ambientes climatizados e espaçosos.
4. Posso usar o protetor solar do ano passado que sobrou na bolsa de praia? Verifique a data de validade. Protetores solares vencidos perdem sua eficácia e podem causar irritações na pele. Além disso, se o frasco ficou exposto ao calor intenso no carro ou na areia por muito tempo, a fórmula pode ter se degradado mesmo dentro da validade. Na dúvida, compre um novo.
[1] Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD). Informações sobre Fotoproteção. Disponível em: sbd.org.br. (Consulta factual sobre a penetração de raios UV em dias nublados).